Este mês de março marca um ano desde a primeira morte por consequência da Covid-19 no Brasil e, enquanto a doença recua no resto do mundo, o país enfrenta o seu pior momento da pandemia. Já são mais de 12 milhões de pessoas contaminadas pelo vírus e 295 mil mortes no país.
O prolongamento do isolamento social decorrente da falta de vacinação e do descaso do governo é sentido por grande parte da população através de fadiga, cansaço, desgaste físico e mental. Quando se analisa os relatos das e dos profissionais da área da Saúde que atuam na linha de frente contra o coronavírus, esse cenário é ainda mais preocupante, não só pelo elevado número de casos e mortes de pacientes, colegas de profissão e familiares, como também das alterações significativas que a pandemia vem provocando em seu bem-estar pessoal e vida profissional.
De acordo com a pesquisa “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19”, realizada pela Fiocruz em todo o território nacional, a pandemia alterou de modo significativo a vida de 95% das trabalhadoras e trabalhadores da área. Os dados revelam, ainda, que quase 50% admitiram excesso de trabalho ao longo desta crise mundial de saúde, com jornadas para além das 40 horas semanais, e 45% ainda necessitam manter mais de um emprego para sobreviver. Os dados indicam que 43,2% das e dos profissionais de saúde não se sentem protegidos no trabalho de enfrentamento da Covid-19, e o principal motivo, para 23% delas e deles, está relacionado à falta, à escassez e à inadequação do uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs). 64% revelaram a necessidade de improvisar equipamentos.
As e os participantes da pesquisa também relataram o medo generalizado de se contaminar no trabalho (18%), a ausência de estrutura adequada para realização da atividade (15%), além de fluxos de internação ineficientes (12,3%). O despreparo técnico das e dos profissionais para atuar na pandemia foi citado por 11,8%, enquanto 10,4% denunciaram a insensibilidade de gestoras e gestores para suas necessidades profissionais.
“O medo da contaminação e da morte iminente acompanham seu dia a dia, em gestões marcadas pelo risco de confisco da cidadania do trabalhador (perdas dos direitos trabalhistas, terceirizações, desemprego, perda de renda, salários baixos, gastos extras com compras de EPIs, transporte alternativo e alimentação)”, detalhou a coordenadora do estudo, Maria Helena Machado.
O levantamento contou com mais de 25 mil participantes e avaliou as condições de trabalho das e dos profissionais de saúde desde o início da pandemia, o ambiente e a jornada de trabalho, o vínculo com a instituição, a vida da e do profissional na pré-pandemia e as consequências do atual processo de trabalho envolvendo aspectos físicos, emocionais e psíquicos desse contingente profissional.
Saúde e vida profissional Graves e prejudiciais consequências à saúde mental daquelas e daqueles que atuam na assistência aos pacientes infectados foram também detectadas no levantamento. Segundo a pesquisa, as alterações mais comuns em seu cotidiano, citadas pelas e pelos profissionais, foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%). O estudo demonstra ainda que 14% da força de trabalho que atua na linha de frente do combate à Covid-19 no país está no limite da exaustão.
Desrespeito x fake news Conforme o estudo, essas transformações decorrem de vários fatores, por exemplo, a falta de apoio institucional, segundo 60% das e dos entrevistados. A desvalorização pela própria chefia (21%), a grande ocorrência de episódios de violência e discriminação (30,4%) e a falta de reconhecimento por parte da população usuária (somente 25% se sentem mais valorizados) também afligem as e os profissionais de saúde. Mais de 90% das e dos profissionais de saúde admitiram que as notícias falsas (fake news) são, sim, um verdadeiro obstáculo no combate ao novo coronavírus. No atendimento, 76% relataram que a e o paciente tinha algum tipo de crença referente às fake news, como a adoção de medicamentos ineficazes para prevenção e tratamento, por exemplo. A porcentagem expressiva de 70% das e dos trabalhadores discorda que os posicionamentos das autoridades sanitárias sobre a Covid-19 têm sido consistentes e esclarecedores.
Perfil Os dados revelam que a força de trabalho durante a pandemia é majoritariamente feminina (77,6%), a maior parte da equipe é formada por enfermeiras e enfermeiros (58,8%), têm faixa etária entre 36 e 50 anos (44%), 57,7% declararam-se brancas e brancos, 33,9% pardas e pardos e 6% pretas e pretos e 34,5% das e dos profissionais trabalham em hospitais públicos. Cerca de 25% dessas pessoas foram infectadas pela Covid-19.
“A pandemia revelou a essencialidade da saúde em nossas vidas e paradoxalmente, revelou o quanto os profissionais de saúde não são considerados e respeitados nesse processo. Por meio da pesquisa, constata-se o estado de exaustão e sofrimento desses profissionais, que já entraram na pandemia adoecidos e cansados, e a situação sob a qual estão expostos só piorou tal quadro”, finalizou a coordenadora do estudo.
Números da Covid-19 Segundo o levantamento do consórcio de veículos de imprensa sobre a situação da pandemia de coronavírus no Brasil, a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, consolidados na segunda-feira (22), a média móvel nos últimos 7 dias foi de 75.163 novos diagnósticos de contaminação por Covid-19 por dia. É a primeira vez na pandemia em que essa média fica acima da marca de 75 mil. A média móvel diária de mortes no país nos últimos 7 dias chegou a 2.298, mais um recorde no índice. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de +46%, indicando tendência de alta nos óbitos pela doença.
Fonte: Fiocruz, com edição e acréscimo de informações do ANDES-SN