O Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou audiência administrativa com a Volkswagen na última semana para dar continuidade à investigação sobre casos de trabalho escravo ocorridos nas décadas de 70 e 80 na Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como Fazenda Volkswagen, localizada no Pará. A reunião ocorreu na sede da Procuradoria-Geral do Trabalho, em Brasília (DF), na terça-feira (14).
Em 2019, o MPT recebeu documentação impressa com denúncia sobre situações de submissão de trabalhadores a condições degradantes de trabalho no projeto agropecuário da Volkswagen no Brasil. O material foi reunido pelo padre Ricardo Rezende Figueira que, à época, era coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), para a região de Araguaia e Tocantins, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para apurar as denúncias, foi constituído um grupo de trabalho composto por procuradores do Trabalho, com ampla experiência no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Com mais de 139 mil hectares, a Fazenda Vale do Rio Cristalino, pertencente a uma subsidiária da Volkswagen do Brasil (CVRC), chegou a ter 300 empregados diretos. O padre Figueira, no entanto, acredita que outros 600 tenham sido submetidos a condições análogas à escravidão.
O grupo de trabalho do MPT concluiu pela responsabilidade da Volkswagen por graves violações aos direitos humanos ocorridas dentro da fazenda de sua propriedade. As violações incluiriam negativa de acesso a tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saída da fazenda em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas (servidão por dívidas), alojamentos instalados em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária.
Segundo o procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, que coordena a investigação sobre o caso, a fazenda é um dos maiores empreendimentos rurais da região amazônica, iniciado na década de 1970, e subsidiado pelo governo militar, sobretudo por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Banco da Amazônia S/A (Basa).
“A fazenda estava inserida no projeto da ditadura civil-militar brasileira de desenvolvimento da Amazônia por meio de grandes fazendas”, afirmou Rodrigues. A CVRC mantinha cerca de 300 empregados diretos, para funções administrativas, de vaqueiro, segurança e fiscalização, mas os serviços de roçagem e derrubada da floresta eram executados por trabalhadores sem vínculo empregatício.
A Fazenda Volkswagen tinha mais de 139 mil hectares e a vegetação nativa foi transformada em áreas de pasto, por meio de queimadas e desmatamentos, a partir de empreiteiros conhecidos na região como “gatos”, que recrutavam lavradores em pequenos povoados. Eles eram contatados sobretudo no interior do Mato Grosso, do Maranhão e de Goiás, e também no território que, hoje, forma o estado do Tocantins. As denúncias de tráfico de pessoas e trabalho escravo se referem, em particular, a esses lavradores aliciados por empreiteiros a serviço da CVRC para roçar e derrubar mata na Fazenda Volkswagen.
Durante a reunião realizada na terça (14), o MPT expôs o histórico e as principais questões acerca do material já coletado na apuração da denúncia. Solicitou da Volkswagen novos documentos sobre fatos ocorridos em sua propriedade rural.
A partir dessa documentação, o MPT pretende aprofundar seu entendimento acerca da extensão dos danos causados e do número de trabalhadores e trabalhadoras atingidos pela conduta da empresa. Foi marcada nova audiência para o dia 29 de setembro para discutir o caso.
Volks e a ditadura Em 2020, a Volkswagen firmou um acordo de reparação devido à colaboração da montadora com órgãos de repressão durante a ditadura empresarial-militar. Esse acordo foi chancelado no início de 2021 pelo Ministério Público Federal (MPF).
Fonte: ANDES-SN *Com informações do MPT e da Rede Brasil Atual. Imagem: Divulgação/RBA