Governo de SC sanciona projeto que repassa verbas públicas para universidades comunitárias e privadas
No início do mês de agosto foi sancionado, pelo governador de Santa Catarina, o Programa Universidade Gratuita, que prevê o repasse até 2026 de cerca de R$ 1,2 bilhão de recursos públicos para universidades comunitárias e faculdades particulares do estado, com o objetivo de reservar vagas para estudantes catarinenses. O programa vai custear o valor integral das mensalidades, até a conclusão do curso.
O programa, apresentado pelo governador Jorginho Mello (PL), foi aprovado no dia 11 de julho na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) por meio do Projeto de Lei Complementar (PLC) 13/23, que instituiu, entre outros pontos, os requisitos necessários para a concessão das bolsas estudantis; e, também, por meio do PL 162/23 que apresentou um novo formato para o Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes), de onde sairão os recursos para financiar o pagamento de mensalidades em cursos de graduação e pós-graduação.
Inicialmente, a proposta previa desvio de recursos da própria Udesc para sustentar o programa. Porém, após muita pressão da categoria, o projeto foi alterado. “A Aprudesc SSind. conquistou a retirada do desvio de verbas da Udesc para esse programa. Isso foi uma vitória. Mas, ao mesmo tempo, não se conseguiu barrar o aporte significativo de recursos públicos que o governo vai injetar no programa para essas universidades privadas, entre as quais as autoproclamadas ‘filantrópicas’”, afirma Carmen Susana Tornquist, 2ª vice-presidenta da Regional Sul do ANDES-SN.
Programa Universidade Gratuita De acordo com o programa, cerca de 75% das bolsas serão destinadas para estudantes de universidades comunitárias da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe) e 25% para instituições privadas de ensino vinculadas à Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc).
A iniciativa do governo é alvo de grandes críticas da comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que lutou desde o início contra o programa. Segundo Douglas Antunes, presidente da Associação dos Professores da Udesc (Aprudesc Seção Sindical do ANDES-SN), além do Programa Universidade Gratuita pegar uma grande quantia do orçamento do estado, inicialmente, ainda previa a retirada de recursos da Udesc, ligados ao Fundo de Desenvolvimento do Ensino Superior (Fumdes).
"O Fumdes direciona recursos principalmente para bolsas e programas de permanência e o 'Universidade Gratuita', inicialmente, cortaria um percentual do Fumdes da Udesc Tanto a Aprudesc SSind, como o Sintudesc e movimentos estudantis se mobilizaram contra a medida e se articularam com parlamentares de oposição. Com isso, a iniciativa foi derrubada em decorrência de uma emenda parlamentar", contou Douglas.
Para ter acesso ao programa, estudantes devem ter nascido ou residir em Santa Catarina há pelo menos cinco anos e esta ser a primeira graduação custeada com recursos estaduais. Também precisam obedecer ao critério de renda, de até quatro salários mínimos, ou de até oito para cursar Medicina.
Como contrapartida, as e os estudantes selecionados deverão prestar serviços à população, 20h a cada mês de benefício recebido, durante a graduação ou até dois anos depois da conclusão do curso. Precisam, ainda, ter aprovação em, pelo menos, 75% das disciplinas. As instituições de ensino irão fiscalizar o cumprimento das horas mensais de serviços comunitários dos e das bolsistas. Quem não cumprir deve ressarcir o estado. Ainda há a possibilidade de a comissão fiscalizadora exigir das e dos estudantes, por amostragem, laudo com resultado negativo de exame toxicológico, item que foi incluído às pressas na última versão posta em votação.
O presidente da Aprudesc SSind. também criticou as contrapartidas em relação ao ingresso e permanência das e dos estudantes nos estabelecimentos de ensino. "O 'Universidade Gratuita' permite a ampliação de acesso, mas não oferece a democratização do acesso. Esse é um dos problemas centrais", disse.
"O Programa Universidade Gratuita será um programa de produção em série de pessoas endividadas que não irão conseguir pagar as horas de serviços à população, e ainda terão que se manter nas faculdades tendo que trabalhar, pois o programa não tem nenhuma política de permanência. Defendemos o acesso democrático ao ensino superior, mas a universidade gratuita e de qualidade já existe e se chama Udesc", apontou.
Daiane Dordete, diretora-geral do Centro de Artes, Design e Moda da Udesc, também alerta para a ampliação da destinação de recursos públicos do estado catarinense para instituições de ensino privadas e comunitárias. “Este projeto ignora a existência e o papel da Udesc, única universidade pública estadual de Santa Catarina, que constitucionalmente e estatutariamente se diferencia das instituições privadas e comunitárias por seu compromisso com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, com a permanência estudantil e com as carreiras docentes e técnicas na instituição. Há uma grande distância entre o pagamento de uma mensalidade por parte do Estado e a possibilidade de uma pessoa cursar uma universidade pública, cuja concepção de formação é integral, para além das atividades de ensino, com desenvolvimento de diversas pesquisas e ações de extensão que complementam a formação discente e impactam a sociedade”, avalia.
Para a docente, a ampliação destes repasses previstos na Constituição estadual para instituições de ensino privadas e comunitárias enfraquece o papel prioritário da universidade pública no desenvolvimento social, para além da formação de mão-de-obra para o Capital e impede a ampliação da oferta de cursos de graduação, pós-graduação, de ações de pesquisa e extensão para a sociedade catarinense por parte da Udesc.
“A apropriação legal de recursos públicos por parte de instituições que não são públicas fomenta o movimento neoliberal de precarização e privatização das instituições públicas, em prol de um projeto de estado mínimo com políticas assistencialistas e não de construção de cidadania. Uma formação integral, de qualidade, democrática e cidadã é uma das bases constitucionais da universidade pública brasileira, e por isso, o investimento público em educação deve ter como prioridade o fortalecimento das instituições públicas de ensino, acessíveis a toda sociedade porque financiada por toda a sociedade através de impostos”, reforça Daiane.
Enquanto isso, as organizações sindicais e estudantis seguem sua mobilização na Udesc, cobrando do governo o reajuste devido e acumulado no último período, que se refere ao Valor Referencial de Vencimento (VRV), com defasagem alcançando a casa dos 25 %, e do auxílio-alimentação (em cerca de 130%) das e dos servidores da universidade, bem como a garantia de permanência estudantil e a defesa da Udesc como a universidade estadual pública e gratuita. “Se o Programa Universidade Gratuita fosse realmente sério e comprometido com a expansão responsável do ensino superior teria se orientando para outra direção, apostando na ampliação da universidade pública, de forma criteriosa, e oferecendo condições dignas de trabalho e de estudo à altura da riqueza que é produzida neste estado”, conclui Carmen Susana Tornquist, diretora do ANDES-SN.
Relatório TCE Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Santa Catarina recomendou a suspensão do Programa Universidade Gratuita. As e os conselheiros afirmaram que o estado vai direcionar recursos para o Ensino Superior, sem ter cumprido integralmente as obrigações com a Educação Básica e com o Plano Estadual de Educação. O relatório aponta ainda que o programa trará potencial impacto nas contas públicas de exercícios futuros, entre outros pontos.
Fonte: ANDES-SN