Em resposta às intimidações, ameaças e notificações dirigidas a docentes e escolas e à escalada do autoritarismo no país, um grupo de mais de 80 entidades de educação e direitos humanos, entre elas o ANDES-SN, lançou uma nova versão do Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas. A publicação traz orientações jurídicas e estratégias político-pedagógicas em defesa da liberdade de aprender e de ensinar, baseadas em normas nacionais e internacionais e na jurisprudência brasileira.
“O Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas articula duas estratégias complementares: por um lado, fornece subsídios para que as comunidades escolares possam, em seu cotidiano, enfrentar as ameaças concretas ou anunciadas. Por outro, valoriza o debate público sobre essas situações como forma de enfrentamento de um conflito social gerado pela manipulação das ideias”, explica a apresentação do documento.
A primeira versão do manual foi lançada em 2018 e teve mais de 150 mil downloads. A edição atualizada inclui decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que reforçam a inconstitucionalidade de leis inspiradas no movimento “Escola sem Partido” e reafirmam o dever do Estado em abordar gênero e sexualidade nas escolas, como forma de prevenir a violência doméstica e o abuso sexual de crianças e adolescentes.
Também apresenta estratégias de como responder a novos tipos de ameaças, que têm sido promovidas por movimentos e grupos ultraconservadores contra comunidades escolares. Além disso, o material detalha as alterações recentes em normativas nacionais e internacionais de direitos humanos, além de apontar novas possibilidades no campo das estratégias jurídicas, políticas e pedagógicas de enfrentamento ao acirramento do autoritarismo na educação.
O lançamento ocorreu no final de fevereiro, na mesma semana em que microdados do Censo Escolar foram descartados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Casos-modelo, seus desdobramentos e estratégias de defesa O Manual, que pode ser baixado gratuitamente clicando aqui, descreve 19 casos-modelo baseados em fatos reais, seus desdobramentos e estratégias jurídicas e político-pedagógicas que podem ser usadas por profissionais de educação.
Entre as situações, estão ameaças pelo Poder Público, como a aprovação de legislações antigênero; a interferência do Legislativo ou Executivo nas instituições educacionais; o constrangimento de docentes por diretorias de ensino e a militarização de escolas públicas. São também abordados casos de ameaças por membros da própria comunidade escolar e de seu entorno, como a perseguição por meio de notificações extrajudiciais, a ocorrência de constrangimentos ao uso de nome social, a censura ao uso de linguagem neutra, a violação da laicidade e o cerceamento das discussões sobre racismo e do ensino – previsto em lei – das histórias e culturas indígena, africana e afro-brasileira em escolas públicas e privadas.
O Manual trata ainda do tema fortemente recorrente, mas pouco comentado, da autocensura, isto é, da interrupção da abordagem de gênero, raça e sexualidade nas escolas pelos próprios docentes em decorrência do pânico moral e do medo de perseguição decorrentes da atuação autoritária de movimentos ultraconservadores contra professores.
Marcos legais nacionais, internacionais e decisões do Supremo Tribunal Federal A primeira versão do Manual foi lançada no final de 2018 como parte de uma estratégia de incidência junto ao STF, para que a Corte julgasse um conjunto de ações que questionavam a constitucionalidade de leis de censura na educação.
Ao longo do ano de 2020, dez ações foram julgadas positivamente, reafirmando a inconstitucionalidade da censura e o dever do Estado em abordar as questões de gênero e sexualidade na Educação Básica, como forma de prevenir o abuso sexual de crianças e adolescentes. As decisões reforçaram também que a ideia de neutralidade ideológica é antagônica ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, pilar constitucional da legislação educacional brasileira.
Outro aspecto importante referendado pelo STF foi a interpretação a respeito do lugar das famílias na gestão democrática da educação. Na compreensão da Corte, a participação das famílias na vida escolar de crianças e adolescentes é fundamental, mas não pode ser usada como artifício para limitar o direito constitucional de crianças e adolescentes a uma educação que contemple várias visões de mundo, estimule a capacidade de refletir e de pesquisar a realidade e que prepare os e as estudantes para uma sociedade sempre mais complexa e desafiante.
“Muitas vezes, mobilizadas pelo desejo de proteção de suas filhas e filhos, algumas famílias acabam contribuindo para que crianças e adolescentes cresçam despreparados e vulneráveis para enfrentar o mundo e atuar conscientemente pela superação das desigualdades, discriminações e violências nas suas vidas e na sociedade brasileira”, destaca o material.
Fonte: Divulgação. Com edição do ANDES-SN