A chegada da pandemia da COVID-19 impôs ao mundo uma série de restrições e, aos trabalhadores e trabalhadoras, imensos desafios. No Brasil, as naturais dificuldades do isolamento social, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), somou-se o projeto de desmonte da Educação Pública que já vinha sendo implementado pelo atual governo. Ainda, ao contrário dos governantes que adotaram, por cautela ou necessidade, as medidas sanitárias recomendadas, o presidente Jair Bolsonaro destacou-se por colocar o povo brasileiro em uma posição de sacrificar a própria saúde em nome de, pretensamente, ‘salvar a economia’.
Não obstante, aulas em escolas e instituições de ensino superior (IES) em todo o país foram suspensas, e docentes têm realizado de suas casas atividades para dar continuidade aos estudos, pesquisa, projetos de extensão e tarefas administrativas dos departamentos, durante o período de isolamento.
O Ministério da Educação (MEC) publicou, no dia 17 de março a portaria n° 343 que autoriza, em caráter excepcional, a substituição das aulas presenciais por modalidades que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação à distância, exceto nos cursos de medicina, estágios obrigatórios e disciplinas que exijam laboratórios. A medida vale para a rede federal, incluindo universidades e institutos de educação técnica, além de instituições de ensino superior privadas. Em maio, a pasta estendeu por mais um mês a autorização para que instituições de ensino adotem o ensino remoto no lugar das aulas presenciais.
É preciso enfatizar que ensino remoto é uma prática que difere da Educação a Distância - essa é uma tecnologia regida por protocolos, instrumentos e capacitações próprias. Não apenas os professores, mas também os alunos necessitam atender a alguns requisitos como espaço físico, equipamento e acesso à internet para que o método seja viável.
Mariana Trotta, encarregada de Assuntos Jurídicos do ANDES-SN, afirma que o trabalho remoto docente não deve incorporar as atividades de ensino. "Essa é mais uma tentativa de imposição de um ensino a distância, que não é a Educação a Distância (EAD) porque não segue as regras e exigências de uma EAD. É outra forma que precariza a educação, fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e os direitos de docentes e estudantes", explica Trotta.
Para Eblin Farage, secretária-geral do Sindicato Nacional, o que o governo federal tenta impor às universidades, institutos federais e Cefet não pode ser considerado EAD. "Esse arremedo de EAD é totalmente absurdo e desproporcional neste momento de pandemia e significará uma desigualdade imensa para os estudantes. Se aprovado, vai impor um ritmo de trabalho aos docentes para o qual não estão preparados emocional e materialmente, com as tecnologias e todo o preparo que o EAD exige na produção de material e manejo das tecnologias. O governo desconsidera a sobrecarga já existente e intensificada pela qual passam docentes e estudantes na pandemia", disse.
Realidade
No Brasil, neste momento, milhares de estudantes encontram-se em situação de vulnerabilidade social e lutam pela sua saúde e de seus familiares. Somando a isso, a falta de acesso à internet e tecnologia de qualidade dificulta a inserção desses estudantes neste modelo de ensino.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pnad 2017, apontam que um quarto dos domicílios não têm acesso à internet. Em 98,7% dos domicílios que declaram contar com acesso à internet, o telefone celular era utilizado para este fim, vindo em seguida o computador (52,3%).
"Há diferentes formas de nos comunicarmos com os nossos estudantes que não seja cobrando ou passando conteúdos que, além de esvaziar o sentido da educação, não vão repercutir no processo de ensino e aprendizado pleno. Os nossos estudantes hoje estão lutando também para sobreviver. A universidade pública se popularizou muito e uma parte dos nossos estudantes está preocupada em como inscrever a sua família no plano emergencial do governo, em como pagar contas, comer, sobreviver. Essa demanda real da vida material é incompatível com a imposição de um ensino a distância", ponderou Eblin Farage.
Corte de adicionais
Em meio à pandemia, o governo federal retirou inesperadamente os adicionais dos salários dos servidores públicos federais. No dia 25 de março, o Ministério da Economia publicou a Instrução Normativa (IN) nº 28, pela qual o governo cancelou, durante o estado de emergência, diversos auxílios percebidos pelos docentes e vedou o cancelamento, prorrogação ou alteração de períodos de férias já programados. A suspensão incide no pagamento de auxílio-transporte, adicional noturno e adicionais ocupacionais dos servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais, durante o estado de calamidade pública em decorrência da COVID-19.
Segundo Mariana Trotta, a medida viola direitos dos docentes. "Essa instrução normativa fere os direitos funcionais dos docentes das universidades, institutos federais e Cefet. É importante que as seções sindicais entrem com as ações judiciais, como também questionem, com o protocolo de requerimento administrativo, a IN nas respectivas instituições de ensino", orienta.
O Sindicato Nacional, Fasubra e Sinasefe protocolaram um ofício, junto ao MEC, Andifes e Conif, questionando a aplicação da IN 28.
Outros ataques
Outros ataques também vieram nas instruções normativas 19 e 21, editadas pelo Ministério da Economia. As IN estabelecem uma série de exigências, entre elas a previsão da adoção do regime de teletrabalho e a sua regulamentação e, ainda, apresentação de plano de trabalho.
Para a docente, o debate sobre trabalho remoto e a exigência de um plano de trabalho, em especial nas universidades em que os docentes nunca tiveram que apresentar plano de trabalho, precisa ser democrático, coletivo e garantir a autonomia das IES e do trabalho docente.
Tanto a portaria 343 quanto as Instruções Normativas 19 e 21 esbarram na autonomia universitária garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal.
Para a secretária geral do ANDES-SN, não tem sentido impor um plano de trabalho com a suspensão de calendários acadêmicos nas instituições de ensino.
A ADUFOP, assim como o ANDES-SN, defende a suspensão de todas as atividades acadêmicas, incluindo os prazos de qualificação e defesa das teses e dissertações. Após o fim da pandemia, através de seus conselhos superiores, universidades, institutos e Cefet, defende rediscutir o calendário acadêmico e a reposição de aulas.
EAD
No Brasil, a Educação a Distância (EAD) tem crescido a cada ano. O Censo da Educação Superior 2018 registrou 7,1 milhões de vagas na EAD, enquanto os cursos presenciais contabilizam 6,3 milhões. No final de 2018, o MEC publicou uma portaria autorizando cursos de graduação presenciais a ofertar até 40% das aulas a distância. O limite anterior era de 20%. Na época, a medida foi elogiada pelas mantenedoras de ensino privado no país. As IES particulares detêm a maior parte das matrículas no ensino superior, 75,3%, de acordo com o Censo da Educação Superior. Detêm também 90,6% das matrículas em EAD. O ANDES-SN defende a modalidade de ensino como ferramenta metodológica complementar e não em substituição às aulas presenciais.
Fonte: ANDES-SN