Em uma decisão histórica no estado de Mato Grosso do Sul, a Justiça Federal de Ponta Porã indeferiu, nessa segunda-feira (4), um pedido para despejar os Guarani e Kaiowá da retomada de Guapo’y, em Amambai (MS). A solicitação (medida de urgência) foi feita pelo proprietário da fazenda que ocupa, atualmente, a região – ou parte do território indígena, considerado sagrado para os Guarani e Kaiowá.
No texto da decisão, o juiz explica que “o indeferimento da medida de urgência de modo algum implica a resolução do caso”. Mas, por ora, “não se vislumbra a existência de elementos que descaracterizem o movimento de disputa por terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas diante da completa ineficiência estatal em resolver a questão”.
“Na situação dos autos foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral e atenção às suas reivindicações, oportunidade a partir da qual poderão ser impelidas a se retirarem do local tomado”, acrescenta o magistrado.
A audiência, realizada de forma telepresencial, contou com a participação do advogado dos Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado de Mato Grosso do Sul, Anderson Santos, de representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) – entre eles um antropólogo –, da Defensoria Pública da União (DPU), da União, da comunidade indígena de Guapo’y e do advogado do proprietário da fazenda.
De acordo com o advogado e assessor jurídico do Cimi, Anderson Santos, a pessoa representante do proprietário da fazenda se esquivou “em responder de onde surgiu a ordem para que a Polícia Militar atuasse no território, promovendo o despejo e a morte do indígena Vitor Fernandes”.
“Tivemos uma decisão rara no estado de Mato Grosso do Sul. Agora, o juiz irá aguardar o andamento do processo para ter melhor fundamentação quanto à reivindicação feita pela comunidade”, afirmou o advogado.
Proibido despejo Santos lembrou ainda que, além da Justiça Federal de Ponta Porã a necessidade de ampla proteção dos Guarani Kaiowá, uma determinação do determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), também prevê que os indígenas devem ser resguardados.
Em maio de 2020, a Corte determinou a suspensão de todos os processos que tratem de disputa territorial envolvendo territórios indígenas que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas. A decisão do ministro Fachin é válida até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada. Apesar da decisão do STF, as medidas estão sendo burladas e desrespeitadas por juízes e forças de segurança.
Além disso, na última semana, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, prorrogou até o dia 31 de outubro de 2022 a suspensão de despejos e desocupações, em razão da pandemia de Covid-19. A medida também poderá resguardar os indígenas até – pelo menos – o prazo estabelecido por Barroso.
Caso Guapo’y Na manhã do dia 24 de junho, logo após os indígenas chegarem à Sede da fazenda construída sobre Guapo’y, território indígena localizado em Amambai (MS), os invasores – policiais militares – entraram na área com intuito de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas, mesmo não havendo ordem judicial. O caso ficou conhecido como o “Massacre de Guapo’y”.
Esse episódio ficou marcado pela morte de Vitor Fernandes Guarani Kaiowá, de 42 anos, assassinado a sangue frio e em plena luz do dia por agentes da polícia. Além de Vitor, dezenas de pessoas ficaram feridas pelos disparos com arma de fogo e bala de borracha por parte das forças armadas.
A reserva de Amambai é a segunda maior do estado de Mato Grosso do Sul em termos populacionais, com quase 10 mil indígenas. Para os Guarani e Kaiowá, Guapo’y é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai. Os indígenas ainda clamam por atenção e exigem proteção às suas vidas e aos seus direitos.
Fonte: Cimi, com edição do ANDES-SN