O licenciamento concedido, no último sábado (30), à mineradora Taquaril Mineração S.A (Tamisa) para exploração de área da Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte (MG), é alvo de diferentes contestações judiciais. O empreendimento já vinha sofrendo questionamentos em um processo movido pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
No domingo (1), o partido Rede Sustentabilidade também acionou a Justiça. A prefeitura de Belo Horizonte informou que estuda adotar o mesmo caminho. Outra ação foi ajuizada na segunda (2), de forma independente, pelo advogado Thales Freire.
O projeto não dependia do aval da prefeitura de Belo Horizonte, pois a região a ser minerada pertence ao município de Nova Lima, ainda que próximo aos limites que dividem as duas cidades. O município vizinho à capital mineira atestou a conformidade do projeto em fevereiro deste ano. No entanto, de acordo com o Ministério Público, a medida foi irregular. No início da última semana, uma ação judicial foi movida para contestar a prefeitura de Nova Lima. Os promotores à frente do caso sustentam que a legislação urbanística municipal proíbe a atividade de mineração na região.
Pesquisadores do projeto “Manuelzão”, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e integrantes do movimento “Tira o Pé da Minha Serra” temem que a atividade minerária impacte a disponibilidade hídrica e, ainda, libere partículas de poeira capazes de afetar a qualidade do ar na região centro-sul da capital mineira, além de causar diversos danos ao bioma local. Na ação movida pelo Rede Sustentabilidade, o partido afirma que a votação que autorizou a mineração na Serra do Curral não levou em consideração as manifestações técnicas e populares.
No domingo (1), após a aprovação do licenciamento, manifestantes realizaram um protesto em forma de uma caminhada ecológica de 15 quilômetros saindo do bairro Saudade, em Belo Horizonte, e indo até Nova Lima. Mesmo antes da apreciação do tema pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) diferentes protestos ocorreram em praças públicas da capital mineira.
Licença para destruir O empreendimento, nomeado Complexo Minerário Serra do Taquaril, foi licenciado na madrugada de sábado (30) Copam, órgão colegiado consultivo e deliberativo vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad). A reunião que tratou do assunto teve início na manhã de sexta-feira (29) e, dada a quantidade de manifestações, durou cerca de 18 horas. A exploração da área foi aprovada por 8 votos a 4.
Todos os quatro representantes do governo de Minas Gerais, que integram o Conselho, defenderam o aval à mineradora. Eles falaram em nome da Secretaria de Estado de Governo (Segov), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). A eles se somou a Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável pela fiscalização do setor no país.
Também votaram favoráveis à liberação do empreendimento, que pode trazer sérios prejuízos socioambientais para a região, três representantes da sociedade civil no Copam: o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas (Sindiextra), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e a Sociedade Mineira de Engenheiros (SME).
Já as outras três entidades que compõem o Conselho -Fundação Relictos (Relictos), Associação Promutuca (Promotuca) e Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) -, foram contra. O quarto voto desfavorável à atividade minerária na região veio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.
Com o licenciamento, a Tamisa foi liberada para instalar um complexo minerário de grande porte com vida útil de 13 anos em uma área de 101,24 hectares. A área inclui 41,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica que serão desmatados.
Nesta quarta-feira (4), a Semad concedeu à Tamisa a outorga de direito de uso de recursos hídricos na região da Serra do Curral. Com isso, a empresa já tem a licença provisória que pode viabilizar a instalação do complexo minerário. A resolução foi publicada no Diário Oficial de Minas Gerais, pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Tombamento Além de abrigar grande diversidade de espécies de fauna e flora, a Serra do Curral também é referência histórica e geográfica de Belo Horizonte. Em sua encosta, há vestígios arqueológicos remanescentes do antigo arraial de Curral Del Rei, que foi escolhido para dar lugar a Belo Horizonte no final do século 19.
Em 1995, a Serra do Curral foi escolhida símbolo da capital mineira em um plesbicito organizado pela prefeitura, superando a Igreja São Francisco de Assis, a Lagoa da Pampulha, a Praça da Liberdade e outras referências da cidade.
Para estimular o ecoturismo na região, foi criado em 2012 o Parque da Serra do Curral. Abrangendo uma área de 400 mil metros quadrados, ele atrai interessados em fazer trilhas e conta com 10 mirantes.
Desde 1960, a Serra do Curral já é considerada patrimônio histórico e artístico nacional. No entanto, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apenas o trecho que, tendo como eixo central a Avenida Afonso Pena, se estendia 900 metros à esquerda e à direita. Na prática, protegeu-se apenas a vista a partir de Belo Horizonte. Essa proteção foi reiterada em 1991, com o tombamento, pela prefeitura de Belo Horizonte, de toda a porção inserida nos limites da capital.
Mas a preservação das porções situadas em municípios vizinhos como Nova Lima e Sabará depende de um tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Um processo com esse objetivo teve início em 2018 e o dossiê final já foi concluído, mas ainda resta pendente de apreciação pelo Conep (Conselho Estadual do Patrimônio Cultural).
Com base nesse processo, o Ministério Público de Minas Gerais já havia, em maio do ano passado, contestado o avanço da avaliação do licenciamento do projeto da Tamisa. Para os promotores, a Serra do Curral deveria estar resguardada até a conclusão da votação que poderá selar seu reconhecimento definitivo como patrimônio de Minas Gerais.
Além disso, eles apontam que, desde 1960, outras incursões minerárias de menor porte já deixaram suas marcas. "A Serra do Curral já ostenta gigantescas cicatrizes da mineração, que impactam negativamente a beleza cênica da paisagem e compromete a integridade do conjunto histórico e arqueológico", registra a ação. Fonte: Agência Brasil, com edição do ANDES-SN