No último dia 11 de agosto, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) divulgou a relação dos 49 ganhadores da 17ª edição do Prêmio Capes de Tese. A iniciativa reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos no Brasil em 2021. A lista, publicada no Diário Oficial da União, trouxe também os nomes de outros 96 pesquisadores que receberam menções honrosas, além dos orientadores de todos os vencedores.
Entre as pesquisas que receberam menção honrosa está a tese de doutorado “Mídia e conservadorismo: O Globo, a Folha de S.Paulo e a ascensão política de Bolsonaro e do bolsonarismo”, de autoria de Fabíola Mendonça de Vasconcelos e orientada pelo professor Marco Mondaini, do programa de Pós-Graduação de Serviço Social da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).
A conquista, no entanto, não poderia ser divulgada pelos canais de comunicação da instituição, pois, de acordo com mensagem enviada pela comunicação da UFPE ao orientador da tese, “nos três meses que antecedem a eleição, o chamado defeso eleitoral, é vedada a publicidade institucional, independentemente de seu caráter eleitoreiro ou de seu teor informativo, educativo ou de orientação social”. Ou seja, a publicação da premiação de uma pesquisa envolvendo Jair Bolsonaro e o bolsonarismo poderia, na avaliação da instituição, ferir a Lei Eleitoral.
No entanto, após o fato ter sido denunciado publicamente, e reportado em matéria no site da revista Veja, a UFPE reviu a posição e publicou nota em seu site divulgando os trabalhos da instituição premiados pela Capes, entre os quais a pesquisa de Fabíola Vasconcelos. Para entender o caso, o ANDES-SN conversou com o orientador de Fabíola, Marco Mondaini.
ANDES-SN: Qual foi a justificativa inicial da UFPE para a não divulgação da premiação da tese “Mídia e conservadorismo: O Globo, a Folha de S.Paulo e a ascensão política de Bolsonaro e do bolsonarismo”, de autoria da doutora Fabíola Mendonça de Vasconcelos, orientada pelo senhor? Marco Mondaini: Inicialmente, a justificativa apresentada pelo Diretor da Assessoria de Comunicação da UFPE foi a de que a legislação eleitoral restringe a publicação de determinados conteúdos. Citando equivocadamente a Lei n. 64, de 1990, que trata de “inelegibilidade”, o responsável pela comunicação institucional da Universidade afirmou que “é vedada a publicidade institucional, independentemente de seu caráter eleitoreiro ou de seu teor informativo, educativo ou de orientação”. Isso, após tomar conhecimento de que a tese premiada pela Capes tratava do papel desempenhado pelo O Globo e pela Folha de São Paulo na ascensão política de Jair Bolsonaro e da extrema-direita fascista.
ANDES-SN: Em sua opinião, o que essa postura da instituição sinaliza? Marco Mondaini: Há nesse episódio, pelo menos, uma dupla sinalização. Por um lado, a covardia de natureza cívico-política de se confrontar ao projeto fascista do atual presidente da República. Por outro lado, a necessidade de honrar os compromissos assumidos pela atual gestão da UFPE com o senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho (ex-líder do governo no Senado), a fim de que pudesse tomar posse no ano de 2019 – um assunto que nunca foi devidamente esclarecido pelo reitor em exercício. Ambos os sinais já haviam sido dados quando da censura imposta a um vídeo produzido pelo jornalismo da TV Universitária, que reproduzia uma matéria sobre o negacionismo do governo Bolsonaro, em março de 2021.
ANDES-SN: Em uma matéria publicada no site da UFPE, postada inicialmente no dia 19 de agosto às 12h38, e editada às 15h57, a menção honrosa da Capes a tese de Fabíola Vasconcelos aparece divulgada. O que o senhor acha que fez a UFPE rever a posição inicial? É um fato isolado ou se soma a outras posturas semelhantes da reitoria? Marco Mondaini: Atribuo o fato da gestão central da UFPE ter voltado atrás em mais esse ato de censura à repercussão nacional da denúncia feita. Já se tornou o modus operandi do atual reitorado. Se não houver denúncia e repercussão, suas ações passam despercebidas. O recente episódio do anúncio de uma parceria entre o Centro de Informática da Universidade e o Exército (sem a participação do Departamento de História), sobre a sua memória histórica em Pernambuco, atesta o que estou afirmando. A parceria só não foi adiante porque a denúncia repercutiu. Não fosse isso, estaria a UFPE a chancelar a fraude histórica de que, com a Batalha dos Guararapes, o exército teria feito surgir a nação.
ANDES-SN: Qual a repercussão a esses cerceamentos na universidade? Marco Mondaini: Lamentável a postura assumida pela Associação dos Docentes da UFPE (Adufepe). Quando reagi à censura imposta pela reitoria, em março de 2021, entregando o meu cargo de Diretor do Núcleo de TV e Rádios Universitárias da UFPE, recebi o apoio das Associações de Docentes da UFRPE e da UPE, que publicaram notas de repúdio à censura e de solidariedade a mim. Da Adufepe, o silêncio. O mesmo se repete agora. O sindicato ao qual sou filiado desde 2004, após a repercussão, limitou-se a publicar uma mensagem de congratulação ao “êxito de projeto de doutorado que discute a relação entre mídia e ascensão do Bolsonarismo”. Quanto à censura, outra vez mais, o silenciamento.
Fonte: ANDES-SN